A parábola de Jesus sobre o campo de
plantação de trigo, no qual o inimigo semeou o joio (capim semelhante ao trigo),
ajuda-nos a entender como muitas vezes o mal se mistura com o bem e toma a sua
aparência para nos enganar, assim como o joio é parecido com o trigo. E
confundir o joio com o trigo e altamente perigoso e pernicioso.
A
nossa vontade foi feita para querer o bem e só o bem pode atrai-la; a nossa
inteligência foi feita para a verdade e só a verdade pode satisfaze-la. Por
isso, o mal só engana porque tem a aparência de bem e a falsidade só engana
porque tem a aparência de verdade. E mais. O mal e o erro são tanto mais
perigosos quanto mais se parecem com o bem e a verdade. Como naquele exemplo da
cadeira de quatro pernas em que falta uma: é ruim pela perna que lhe falta, mas
é perigosa pelas três que tem, porque nos convida a nela nos sentarmos e
cairmos. Se não tivesse nenhuma perna, não seria tão perigosa e nós nela não
tentaríamos sentar.
Assim
acontece com o relativismo. Há coisas absolutas e coisas relativas. Mas generalizar
o relativo e fazer dele uma teoria e uma norma de ação é uma ideologia falsa.
A
verdadeira filosofia, ou concepção do mundo, ensina-nos que nós não somos a
medida da verdade, mas somos medidos por ela. A verdade das coisas é objetiva,
independente da opinião que tenhamos sobre ela. O relativismo é a negação de
que existem certos tipos de verdades universais. O relativismo cognitivo nega
as verdades universais objetivas, afirmando que existem apenas verdades
pessoais, segundo o critério de cada um. O sofista grego Protágoras era o
defensor dessa tese, da verdade relativa: “O homem é a medida de todas as
coisas”, dizia ele. Isso é o relativismo cognitivo.
O
relativismo ético, que inclui o relativismo cultural, é a teoria de que não há
princípios morais universalmente válidos. Segundo ele, todos os princípios
morais são válidos relativamente à cultura ou à escolha individual. Caímos
assim no subjetivismo e na relativização da verdade e da moral, que acabam nos
conduzindo ao ceticismo, à dúvida generalizada, à descrença total de valores
objetivos e universais.
Assim
caímos no relativismo teológico, aplicando o subjetivismo às verdades da Fé,
que ficam sujeitas ao critério individual, sem objetividade.
A
Congregação para a Doutrina da Fé, organismo da Igreja que defende a sã
doutrina, inclui, entre os graves perigos atuais, o relativismo cultural, ao
lado do pluralismo ético e a decadência e dissolução da razão e dos princípios
da lei moral natural: “Reivindica-se a autonomia para as escolhas morais. Leis
que prescindem dos princípios da ética natural, deixando-se levar
exclusivamente pela condescendência com certas orientações culturais ou morais
transitórias, como se todas as concepções possíveis da vida tivessem o mesmo
valor. Tal concepção relativista do pluralismo nada
tem a ver com a legítima liberdade dos cidadãos católicos de escolherem, entre
as opiniões políticas compatíveis com a fé e a lei moral natural, a que,
segundo o próprio critério, melhor se coaduna com as exigências do bem comum. A
liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a ideia relativista,
segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a mesma verdade e o
mesmo valor” (“Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e
comportamento dos católicos na vida política”).
Martinho Lutero (1483-1546), com a sua reforma protestante, lançou
as bases do relativismo teológico, ensinando o “livre exame”, ou seja, a
leitura e compreensão subjetiva das Sagradas Escrituras, independentemente do
Magistério da Igreja, a quem Jesus confiou a sua guarda e interpretação.
René Descartes (1596-1650), filósofo e matemático francês, com o
seu princípio da dúvida universal, destruindo a objetividade da verdade e
buscando o conhecimento em si mesmo, é considerado um dos fundadores da Idade
Moderna, cuja principal ideia é o subjetivismo, que conduz ao relativismo.
Mas a grande influência moderna geradora do relativismo
encontramos em Immanuel Kant (1724-1804), que estabelece que as realidades
devem ser consideradas apenas como
fenômenos (objetos da experiência) e não como númenos (coisas em si mesmas). Com essa distinção, ele ensina que
nunca podemos ver a realidade em si mesma, mas apenas sua manifestação em nossa
maneira de percepção, através de diversas “lentes”. Ou seja, tudo o que é
percebido por nós não é a genuína realidade, tal como ela é em si mesma, mas um
seu reflexo segundo nossas medidas. Assim temos uma revolução copernicana entre
o ensino filosófico correto aristotélico-tomista da objetividade da verdade e a
subjetividade da verdade, base do relativismo.
“E a aceitação de que se dá de fato a verdade... é qualificada,
(pelos propugnadores do relativismo), como fundamentalismo, como verdadeiro
ataque contra o espírito dos tempos modernos e como ameaça fundamental, que se
manifesta em muitas formas, contra o bem supremo, que é a tolerância e a
liberdade. Desta maneira, o conceito de diálogo, que na tradição platônica e na
tradição cristã tinha uma relevância importante, adquire em boa parte um
significado modificado. É considerado precisamente como a quintessência do
credo relativista e como antitético aos conceitos de ‘conversão’ e missão: o
diálogo, segundo a compreensão relativista, significa pôr a própria posição ou
a própria fé no mesmo nível que as convicções dos demais, não lhe conceder por
princípio mais verdade que a posição do outro” (Ratzinger, Fé, Verdade e Tolerância).
Essa teoria relativista aplicada à filosofia conduz à igualdade de
valor entre a verdade e o erro e ao ceticismo ou incerteza quanto à posse da
verdade; aplicada à moral, à igualdade entre o bem e o mal, chegando ao
relaxamento completo; e à teologia ao ceticismo e ao ateísmo.
Em nossas escolas católicas, esse joio do relativismo não pode
crescer entre o trigo da boa doutrina.
Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica
Pessoal
São João Maria Vianney
Nenhum comentário:
Postar um comentário