sexta-feira, 19 de julho de 2019

Relativismo, o joio corruptor


                A parábola de Jesus sobre o campo de plantação de trigo, no qual o inimigo semeou o joio (capim semelhante ao trigo), ajuda-nos a entender como muitas vezes o mal se mistura com o bem e toma a sua aparência para nos enganar, assim como o joio é parecido com o trigo. E confundir o joio com o trigo e altamente perigoso e pernicioso.
           A nossa vontade foi feita para querer o bem e só o bem pode atrai-la; a nossa inteligência foi feita para a verdade e só a verdade pode satisfaze-la. Por isso, o mal só engana porque tem a aparência de bem e a falsidade só engana porque tem a aparência de verdade. E mais. O mal e o erro são tanto mais perigosos quanto mais se parecem com o bem e a verdade. Como naquele exemplo da cadeira de quatro pernas em que falta uma: é ruim pela perna que lhe falta, mas é perigosa pelas três que tem, porque nos convida a nela nos sentarmos e cairmos. Se não tivesse nenhuma perna, não seria tão perigosa e nós nela não tentaríamos sentar.
            Assim acontece com o relativismo. Há coisas absolutas e coisas relativas. Mas generalizar o relativo e fazer dele uma teoria e uma norma de ação é uma ideologia falsa.   
            A verdadeira filosofia, ou concepção do mundo, ensina-nos que nós não somos a medida da verdade, mas somos medidos por ela. A verdade das coisas é objetiva, independente da opinião que tenhamos sobre ela. O relativismo é a negação de que existem certos tipos de verdades universais. O relativismo cognitivo nega as verdades universais objetivas, afirmando que existem apenas verdades pessoais, segundo o critério de cada um. O sofista grego Protágoras era o defensor dessa tese, da verdade relativa: “O homem é a medida de todas as coisas”, dizia ele. Isso é o relativismo cognitivo.
            O relativismo ético, que inclui o relativismo cultural, é a teoria de que não há princípios morais universalmente válidos. Segundo ele, todos os princípios morais são válidos relativamente à cultura ou à escolha individual. Caímos assim no subjetivismo e na relativização da verdade e da moral, que acabam nos conduzindo ao ceticismo, à dúvida generalizada, à descrença total de valores objetivos e universais.
            Assim caímos no relativismo teológico, aplicando o subjetivismo às verdades da Fé, que ficam sujeitas ao critério individual, sem objetividade.
A Congregação para a Doutrina da Fé, organismo da Igreja que defende a sã doutrina, inclui, entre os graves perigos atuais, o relativismo cultural, ao lado do pluralismo ético e a decadência e dissolução da razão e dos princípios da lei moral natural: “Reivindica-se a autonomia para as escolhas morais. Leis que prescindem dos princípios da ética natural, deixando-se levar exclusivamente pela condescendência com certas orientações culturais ou morais transitórias, como se todas as concepções possíveis da vida tivessem o mesmo valor. Tal concepção relativista do pluralismo nada tem a ver com a legítima liberdade dos cidadãos católicos de escolherem, entre as opiniões políticas compatíveis com a fé e a lei moral natural, a que, segundo o próprio critério, melhor se coaduna com as exigências do bem comum. A liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a ideia relativista, segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a mesma verdade e o mesmo valor” (Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política”).
Martinho Lutero (1483-1546), com a sua reforma protestante, lançou as bases do relativismo teológico, ensinando o “livre exame”, ou seja, a leitura e compreensão subjetiva das Sagradas Escrituras, independentemente do Magistério da Igreja, a quem Jesus confiou a sua guarda e interpretação.
René Descartes (1596-1650), filósofo e matemático francês, com o seu princípio da dúvida universal, destruindo a objetividade da verdade e buscando o conhecimento em si mesmo, é considerado um dos fundadores da Idade Moderna, cuja principal ideia é o subjetivismo, que conduz ao relativismo.
Mas a grande influência moderna geradora do relativismo encontramos em Immanuel Kant (1724-1804), que estabelece que as realidades devem ser consideradas apenas como fenômenos (objetos da experiência) e não como númenos (coisas em si mesmas). Com essa distinção, ele ensina que nunca podemos ver a realidade em si mesma, mas apenas sua manifestação em nossa maneira de percepção, através de diversas “lentes”. Ou seja, tudo o que é percebido por nós não é a genuína realidade, tal como ela é em si mesma, mas um seu reflexo segundo nossas medidas. Assim temos uma revolução copernicana entre o ensino filosófico correto aristotélico-tomista da objetividade da verdade e a subjetividade da verdade, base do relativismo.
“E a aceitação de que se dá de fato a verdade... é qualificada, (pelos propugnadores do relativismo), como fundamentalismo, como verdadeiro ataque contra o espírito dos tempos modernos e como ameaça fundamental, que se manifesta em muitas formas, contra o bem supremo, que é a tolerância e a liberdade. Desta maneira, o conceito de diálogo, que na tradição platônica e na tradição cristã tinha uma relevância importante, adquire em boa parte um significado modificado. É considerado precisamente como a quintessência do credo relativista e como antitético aos conceitos de ‘conversão’ e missão: o diálogo, segundo a compreensão relativista, significa pôr a própria posição ou a própria fé no mesmo nível que as convicções dos demais, não lhe conceder por princípio mais verdade que a posição do outro” (Ratzinger, Fé, Verdade e Tolerância).
Essa teoria relativista aplicada à filosofia conduz à igualdade de valor entre a verdade e o erro e ao ceticismo ou incerteza quanto à posse da verdade; aplicada à moral, à igualdade entre o bem e o mal, chegando ao relaxamento completo; e à teologia ao ceticismo e ao ateísmo.
Em nossas escolas católicas, esse joio do relativismo não pode crescer entre o trigo da boa doutrina.

Dom Fernando Arêas Rifan
Bispo da Administração Apostólica Pessoal
São João Maria Vianney

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